O texto abaixo é um dos dois editoriais do jornal Folha de São Paulo, em sua edição do dia 23. Traz como personagem o ministro do STF, Dias Toffoli. Um trecho do texto diz: “[..]É o ministro quem parece ter misturado, a um ponto inadmissível, a ordem do privado e a esfera do público, nesse acontecimento[...]“
Vem do mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, uma ilustração constrangedora da promiscuidade entre interesses públicos e privados que dá o tom da vida republicana no Brasil.
Em junho passado, realizou-se na romântica ilha italiana de Capri um casamento “de proporções épicas”, segundo a empresa que promoveu o evento. Duzentos convidados hospedaram-se num hotel de luxo; três deles confirmaram que despesas de hospedagem ficaram a cargo dos anfitriões.
O noivo era o advogado brasileiro Roberto Podval. Entre os convidados estava o ministro Toffoli. Sua viagem não despertaria muita crítica, não fosse por algumas circunstâncias comprometedoras.
Primeiro, Toffoli faltou a um julgamento no STF para participar das bodas. Vá lá; não é todo dia que uma festa desse quilate está ao alcance de juristas brasileiros.
Em segundo lugar, o noivo atua em dois processos dos quais o relator é Toffoli. Vá lá, comentaria com meridional bonomia algum velho tribuno dos tempos de declínio do Império Romano. Quem sabe o ministro terá pago as despesas de sua estadia; quem sabe poderá declarar-se sob suspeição nos julgamentos.
Segue-se o terceiro ponto: Toffoli recusa-se a dizer quem pagou pela viagem. Conforme nota de sua assessoria, o magistrado se reserva o direito de não fazer qualquer comentário sobre seus compromissos privados.
Ora, é exatamente dos compromissos pessoais – do peso que possam ter sobre seus julgamentos na condição de autoridade investida- que se trata. É o ministro quem parece ter misturado, a um ponto inadmissível, a ordem do privado e a esfera do público, nesse acontecimento.
Invocando a privacidade, Toffoli não dissipa nem a mais tênue suspeita de favor pessoal sobre seu comportamento. Com que autoridade julgaria, depois do precedente, qualquer caso que possa envolver tráfico de influência?
A presença de um ministro do Supremo no matrimônio pôs sob um mesmo teto o que não deveria estar unido nem na mais remota hipótese. Não se fez o menor esforço de distinguir entre o público e o privado. Mas, ao que tudo indica, Toffoli dá mais valor a festas de casamento do que a essa separação.
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